{Crítica} Kalinka



Contar uma história real não é tarefa fácil. E quando o caso em questão esteve envolvido em polêmicas internacionais por mais de trinta anos, é de se esperar que o cuidado (e a dificuldade) duplique para que o resultado se mantenha interessante sem cair no dramalhão, ou pior, no sensacionalismo. E é justamente nesse ponto que Kalinka acerta, abordando a luta de um pai por justiça depois de passar pela pior das dores: a perda da filha, enquanto ela passava férias na casa do padrasto.

A fita começa com o protagonista, André Bamberski, já com certa idade, sendo preso. Em momento algum é explicado o motivo (na verdade é sim, mas só no final), mas o que surpreende é a reação do senhor, que é... Nenhuma. Ele apenas se arruma e vai. Título na tela, voltamos algumas décadas e é contada a história á partir do momento em que se depara com Dieter Krombach, no início um simpático médico que ajuda a família de André após eles sofrerem um acidente durante uma viagem. Mas o estranho acaba ficando muito próximo, até demais, da esposa do "novo amigo", provocando a separação dos dois. Anos se passam e os filhos do ex-casal vão passar uns dias com a mãe e Dieter, que á essa altura estão casados. Só que, nesse período Kalinka, a filha mais velha, morre subitamente. André se recusa á aceitar a versão dada de que a menina faleceu de causas naturais e passa á investigar por conta própria o que realmente teria acontecido naquela casa.

Quando vi a chamada desse filme na TV, fiquei em dúvida se valia á pena assisti-lo. A vinheta dava a impressão de que seria um drama de tribunal , e os filmes franceses costumam ser mais lentos e intimistas, o que pode ser ótimo - exceto quando não se está com muita paciência, como era meu caso naquele dia. Procurei informações na internet e tudo o que achei foi uma crítica em espanhol e umas reportagens sobre o caso real. Ok, decido arriscar, e sabia que esse não seria um filme "leve", mas nada havia me preparado para o soco no estômago que viria. Para começar, é frustrante ver o quanto a justiça se arrasta mesmo em países considerados desenvolvidos, já que esse caso demorou três décadas para ser concluído e só não prescreveu por uma atitude extrema (mas totalmente compreensível) de André, quando notou que esperar atitude das autoridades seria o mesmo que nada.

Conforme Bamberski vai sendo consumido pelo desespero vemos a incompreensão e o afastamento das pessoas próximas á ele. Entre essas pessoas está Dany, a mãe de Kalinka, cuja relação com o ex já andava estremecida desde a separação e quebra-se de vez no instante em que ela prefere ficar do lado de Dieter mesmo com todas as provas apontando contra ele. Eu acho que o roteiro poderia ter dado melhor destaque á relação entre o protagonista e seu filho mais novo, pois fica claro o abalo que o garoto sofre com tudo o que anda ocorrendo. Outra personagem que poderia ter sido mais explorada é Cécile, a namorada de André. Ela se mantinha tranquila demais, o que não combina com uma pessoa que está vendo seu amado (e, consequentemente, seu relacionamento) afundando na dor sem que ela possa fazer nada. Sorte que a atriz Christelle Cornil conseguiu passar em sua expressão toda a angústia que suas falas não transmitem.

E já que estou falando de atuações, vamos á elas! Eu gostei bastante da performance de Marie-Josée Croze como a Dany, principalmente da metade pro final, quando alguns fatos põe em xeque a adoração que ela mantêm pelo marido. Sebastian Koch (Dieter) está impecável, fugindo do clichê de vilão e fazendo até nós sentirmos simpatia pelo seu personagem no começo ainda que queiramos esganá-lo depois. Mas o destaque maior vai para Daniel Auteil (André), responsável por aquela que é, de longe, a sequência mais marcante do filme: Bamberski, instantes antes de receber a notícia da tragédia, está tomando café da manhã ao lado de Cécile, num ânimo jovial, até que o telefone toca. Na cena seguinte, com ele já no necrotério frente ao corpo da filha, passou no máximo um dia desde a anterior, porém a impressão que temos é de que ele envelheceu vinte anos, tamanha a devastação sentida.

Outro ponto, aliás, que mostra a competência da produção é a forma como a passagem de tempo é mostrada naturalmente, lembrando que a trama toda ocorre no período de quatro décadas. Mesmo não sendo longo, em alguns momentos o filme cansa um pouco, não por falta de acontecimentos, mas pelo tanto de prisões e solturas que não levam á lugar algum. Como eu disse, esse não é um filme simpático de se ver. Então por que cargas d'água estou falando dele aqui? Porque apesar de ser triste e muito revoltante, é impossível não se comover com a determinação do protagonista em botar Dieter na prisão. Em várias cenas é mostrado como ele está desgastado física e emocionalmente e ainda assim não desiste, afinal o que André Bamberski (tanto no filme como na vida real) queria não era muito, apenas que a lei fosse cumprida e Kalinka pudesse descansar em paz.


Título: Kalinka (Au Nom De Ma Fille)
Elenco: Daniel Auteil, Sebastian Koch, Marie-Josée Croze, Christelle Cornil, Emma Besson
Direção: Vincent Garenq
Gênero: Drama
Duração: 1h 27min
Classificação: 14 anos
Avaliação: 

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